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EDITORIAL: Ainda não é desta, alguma vez será?

Após um dramático mês de janeiro em China, o mês de fevereiro assistiu incrédulo a uma rápida expansão de contágios do COVID-19, que continua a intrigar com o aparecimento de ‘casos espontâneos’ em vários pontos do mundo.

Vamos supor que hoje vivêssemos sem a atual globalização dos Mass Media, ou que estes decidissem, com grande prejuízo próprio, embargar qualquer notícia sobre esta doença. Estaríamos perante uma gripe mais virulenta e que se prevê longe de gerar uma elevada mortalidade tal como ocorreu com a chamada ‘gripe espanhola‘ ou o SARS. Mas isso não irá acontecer, todos sabemos que o medo vende.

A curva de contágio do COVID-19 é hoje notícia porque nos atinge no país mais povoado do mundo. A expansão do contágio do COVID-19 é dramática, porque a humanidade, incluindo a China, está hoje mais globalizada que nunca. E que seria de esperar? Já Napoleão dizia “quando a China despertar, o mundo estremecerá”.

A China tem hoje cerca de quatro vezes mais passageiros do que durante o surto de SARS (fonte: NYT 28 Feb 2020, ver ref #1)

Esta vulnerabilidade que nos une

Mas a natureza não é caprichosa somente agora com este novo vírus. Ela tem vindo a flagelar-nos de modos variados, com brutais intempéries que rompem recordes de intensidade, com incêndios cada vez mais violentos e extensos na Amazônia ou na Austrália. O planeta comporta-se com o livre arbítrio de uma inteligência superior cujos efeitos na mortalidade das populações das espécies que o habitam foram observados por Thomas Robert Malthus em 1798 – um efeito auto regulador que mantém cada coisa no seu lugar.

A crise do COVID-19 é apenas mais um episódio que vem mostrar-nos o vulnerável que pode ser a humanidade face aos caprichos da natureza e nos coloca no nosso devido lugar. E esta tomada de consciência de vulnerabilidade é uma oportunidade de ouro para estreitar uma colaboração mundial e definir estratégias concertadas para proteger a saúde da população a uma escala global.

A capacidade das nações de se prepararem para a chegada de casos de coronavírus dependerá da força dos seus sistemas de saúde; sua capacidade de testar, fornecer leitos hospitalares, medicamentos e respiradores para pacientes graves; e sua eficácia na comunicação ao público (Fonte: NYT, 28 Fev. 2020, ver ref #1)

Grandes males, grandes remédios

Há dias, num grupo de Whatsapp a que pertenço alguém dizia que o contágio do COVID-19 estava totalmente descontrolado ao que eu perguntei se não seria o oposto, se não seria esta a doença atualmente mais controlada do mundo.

Este exemplo de coordenação mundial na recolha e partilha de dados sobre contágios e mortes, vem mostrar que sim é possível avançar um passo mais e criar uma estratégia global de dados em saúde que permita monitorizar o aparecimento precoce de surtos de qualquer doença contagiosa e, inclusive, a sua previsão com recurso ao ‘deep learning‘ entre outros métodos de inteligência artificial.

Nota: São mostradas as taxas médias de casos fatais e números de transmissão. As estimativas das taxas de mortalidade por casos podem variar, e os números para o novo coronavírus são estimativas preliminares. Fonte: NYT, 28 Fev, 2020, ver ref #1)

Se a humanidade deseja ter qualquer possibilidade de êxito contra os caprichos da natureza que se impõem ao seu próprio sucesso como espécie, devemos agora avançar para grandes remédios. Não apenas no âmbito climático, os riscos de doenças hiper contagiosas podem causar danos incomensuráveis e esse elevado grau de sofrimento é o que está já a ser ‘descontado’ pela queda das bolsas mundiais.

A construção de hospitais de grandes capacidades é indispensável mas será apenas um paliativo, a verdadeira solução é a previsão de novos surtos e essa somente será possível com uma estratégia global de dados em saúde.

Tal como hoje existem operadores de telecomunicações e um mercado mundial de telecomunicações totalmente interoperável, as nações deverão criar uma nova categoria de ‘operadores de dados em saúde’ e regular a interoperabilidade dos dados clínicos a uma escala global. Do mesmo modo que hoje se pode comunicar com qualquer pessoa que tenha um número de telefone, o mesmo deverá ser possível com a parte pública e anónima do nosso registo electrónico de paciente, mas com total segurança e proteção da privacidade dos meus dados clínicos que partilho com quem entendo que devo.

Plataforma para gerar consensos em saúde

O Health Data Forum, visa reunir nos próximos dias 7 e 8 de Maio, em Cascais, um número de participantes implicados nos diversos domínios de aplicação e produção de conhecimento associado aos dados em Saúde.

O objetivo é fomentar a partilha de experiências e de conhecimento em Big Data e Genômica, duas disciplinas que irão ter grandes implicações no futuro dos Serviços Nacionais de Saúde e nos graus de prontidão requeridos hoje para:

  • Contribuir para a identificação de estratégias colaborativas entre doentes e prestadores de cuidados e os seus fornecedores, na busca de melhores cuidados de saúde e de uma investigação ágil na busca de terapêuticas mais eficazes.
  • Contribuir para a melhoria de diagnósticos clínicos e da prestação dos cuidados de saúde pela aplicação da ciência de dados.

Os participantes já confirmados são os que figuram na página do evento:
https://www.healthdataforum.eu/

A segunda fase de inscrições presenciais: aqui.

Referências

#1 How Bad Will the Coronavirus Outbreak Get? Here Are 6 Key Factors
By Knvul Sheikh, Derek Watkins, Jin Wu and Mika GröndahlUpdated Feb. 28, 2020

#2 Yes, it is worse than the flu: busting the coronavirus myths. The Guardian.

By | 2020-03-04T22:59:15+01:00 Março 1st, 2020|Categories: EDITORIAL|Comentários fechados em EDITORIAL: Ainda não é desta, alguma vez será?

About the Author:

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, detém um mestrado em Gestão de Informação pela Universidade de Sheffield e um doutoramento em Ciências da Gestão pela Universidade de Lancaster. A partir de 1996, desempenhou a função de professor no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e na ISEG (Escola de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, concluiu o doutoramento na Management School da Universidade de Lancaster em Novembro de 2000. Acumulou vasta experiência como consultor, colaborando com o Governo Regional da Madeira (Direção Regional de Saúde) e participando em diversos projetos de consultoria e investigação em parceria com instituições como o ISEG, INETI, Câmara Municipal de Évora, várias empresas do grupo EDP, Ministério da Saúde de Portugal, Eureko BV, Observatório Europeu da Droga e PWC em Espanha. Certificado como facilitador profissional e membro da IAF (International Association of Facilitators), teve um papel crucial na conceção das Cimeiras Ibéricas de Líderes de Saúde na Espanha, além de ter sido co-fundador do Fórum do Hospital do Futuro em Portugal. Especializado em GDSS (sistemas de apoio à decisão em grupo), projetou intervenções para otimizar processos de mudança e inovação nos setores de saúde e educação. Desde 2020, é cofundador da Digital Collaboration Academy, uma empresa sediada em Londres dedicada a facilitar a adoção de ferramentas para a colaboração digital. Autor e editor da série de livros "Arquitetar a Colaboração", aborda princípios, métodos e técnicas de facilitação de grupos. Sua trajetória, combinada à experiência como residente em vários países e presentemente em Portugal, moldou sua abordagem voltada para as estratégias de colaboração e desenvolvimento económico.